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Hugo Oliveira  Jonathan Sergisson considera-o, para além de um grande intelectual na área da arquitectura, alguém com uma vida pessoal muito interessante. Entre outras actividades, foi performer, o que terá influenciado o seu percurso arquitectónico.

Tony Fretton – No final dos anos 1970, durante um curto período, fui membro do grupo deperformance Station House Opera1. Quando os vi actuar pela primeira vez fiquei intrigado com o facto daquele trabalho ser muito teatral mas não no sentido em que o que é a peça de teatro. Depois de me juntar ao grupo, comecei a perceber que as performances têm, mais que um enredo, uma estrutura. O performer não actua como se fosse outra pessoa, permanece o mesmo; e os objectos, os locais e os acontecimentos em jogo são vistos através da perspectiva da arte conceptual, tornando legíveis as suas intenções sociais e políticas. A minha experiência na Station House, e em outros eventos decorridos, nessa altura, em Londres, proporcionaram-
-me uma base de apoio fundamental à minha prática como arquitecto. A arquitectura tinha sido invadida pelo pós-modernismo, estávamos em recessão económica e o governo conservador da Sra. Thatcher estava a introduzir profundas alterações nas políticas sociais-democráticas do pós-guerra2. Nessa altura trabalhava para um escritório comercial em projectos que para mim eram insatisfatórios – apesar de sentir grande afecto pelos seus directores (com alguns dos quais ainda mantenho contacto), pelas pessoas que trabalharam nos projectos, assim como pelo “mundo dos empreendimentos comerciais que, de certa forma, está aberto a interpretações semelhantes às da performance. Em paralelo, Londres estava a lidar de uma forma altamente energética, criativa e dissidente com este período de crise. A performance, o movimento punk e a música que se lhes seguiu mostraram que qualquer pessoa que realmente quisesse poderia fazer um trabalho relevante. Para mim a questão era: o que é que a arquitectura poderia fazer? Poderia ser tão crítica quanto útil? Melhorar a vida e ser habitável? Poderia comunicar cultural e socialmente através da experiência daqueles que a encontravam? A performance deu-me algumas pistas na medida em que utilizava os mesmos elementos que a arquitectura – salas, mobiliário, grupos de pessoas –, mas abria-os à pesquisa e à expressividade. Outras pistas vieram da arte conceptual através do trabalho produzido por artistas como Robert Morris, em que as qualidades factuais eram a base de criação do objecto, e, posteriormente, Dan Graham, em que as narrativas culturais se incorporam nas acções, objectos e locais. Obras conceptuais de artistas como Carl Andre enquadram-se entre o que se pode considerar objectos artísticos, objectos industriais e objectos de uso. Donald Judd projectava mobiliário, interiores e objectos escultóricos. A arte conceptual tornou visível um vasto território de objectos físicos, incluindo edifícios, que estavam anteriormente fora do domínio da arte. Para além de isto tudo havia a declaração intimidatória de Robert Rauschenberg que, dizia, “trabalhava no espaço entre a arte e a vida”. 

 

Como se reflectiu esse ambiente no seu trabalho?

O primeiro projecto arquitectónico em que utilizei estas ideias foi na Galeria Lisson em 1986. Consistia na reconversão e extensão de uma pequena loja do século XIX com habitação no piso superior. Este tipo de edifício anónimo tinha-se tornado vernacular por ter sido fruto de trabalho e “retrabalho” de construtores; um processo através do qual também adquiriu conhecimento e significado social. Como edifício era muito minimal; como artefacto cultural era muito rico. Aumentámos bastante o edifício, criando espaços de galeria nas traseiras que tinha muito mais àrea do que se podia esperar a partir da pequena fachada; mantivemos a forma do lote, cujas irregularidades eram características do bairro. Ao dotar os interiores de um estilo que remete para a linguagem internacional do minimalismo branco tornámo-los reconhecíveis como espaços destinados à arte, mas também como versões abstractas de outros lugares do bairro, pelos quais se caminha para chegar à galeria, na sua localização periférica numa área banal.

Estas ideias tornaram-se mais claras na segunda Galeria Lisson em 1992. Aqui, as grandes janelas viradas a norte expõem a arte no bairro em que se insere o que é muito característico de algumas zonas de Londres que foram construídas de forma muito pragmática e sem desenho urbano. Contudo, no enquadramento das vistas sobre a cidade, fomos críticos. Mostrámo-las como artefacto cultural o que é naturalmente ambíguo e rico em significados múltiplos. 

Em retrospectiva, penso que em relação ao projecto para a galeria Lisson adoptei um sentimento de responsabilidade social que, sei, partilho com o Nicholas Longsdail (o director da galeria). E, apesar do capitalismo global ter tornado o individualismo e a auto-satisfação em motivação fundamentais e, em simultaneo, parte da arquitectura e da teoria da arquitectura permitiram, elas próprias, tornarem-se mercadorias [commodities], sinto que a maior parte dos arquitectos ainda se rege por um sentimento de responsabilidade social. Foi-me contado pelo Michael Maltzan, um amigo meu, arquitecto em Los Angeles, que o Disney Concert Hall de Frank Gehry permite aos angelinos [“naturais/
/habitantes de LA”] – pessoas altamente individualistas –, terem uma experiência colectiva, como público.

 

Há quem diga que é difícil encontrar um arquitecto que goste tanto da cidade “tal como é dada”. Qual a sua opinião sobre os grandes projectos desenvolvidos, por exemplo na China, em que é convidado determinado grupo de arquitectos, quase não há limites orçamentais ou qualquer outro tipo de restrição fundamental, onde o “tal como é dado” a que se refere Mark Cousins, não existe?

Não há arquitectura sem restrições. Julgo que a situação na China (nunca construí na China) parece-me absolutamente cheia de restrições. A questão é que na China essas restrições são muito mais políticas e sociais.

 

É professor…

Existe esse rumor…

 

… Foi professor em Harvard.

Fui professor em Harvard por um semestre. Mas fui professor durante muito mais tempo na Universidade Técnica de Delft, de que gosto muito. E a partir de Setembro de 2010 irei sê-lo na ETH em Zurique por um ano, em licença sabática de Delft.

 

Concorda com Alejandro Aravena quando este se refere à existência de um efeito “Bomba H” no ensino? Ser professor em Harvard significa ter uma grande influência no seio do sistema político e no contacto com os políticos?

Penso que as escolas de arquitectura têm um efeito social, e não um efeito político, que é transmitido através da prática da arquitectura. Estive na AA (Architectural Association) no final dos anos de 1960 – 
numa época altamente politizada – e houve consequências mas muito difusas. As profissões têm um papel diferente do dos cargos políticos e também uma maior duração.

Sendo os cargos políticos mais curtos que o tempo necessário para a execução dos projectos, acredita que a arquitectura ou o trabalho de alguns arquitectos está já a adaptar-se a esta pressão?

O meu instinto diz-me que se trata apenas de arquitectos infligindo dor a si mesmos. Temos que nos lembrar que os políticos desempenham funções num curto prazo e são mais propensos a cometer erros graves e destrutivos do que os arquitectos. As profissões têm relações muito mais subtis com a política. Na Universidade de Delft, quando o governo decide que é boa ideia tornar a educação mais barata ou remodelar o ensino de acordo com o ensino da Medicina, por exemplo, os meus colegas, como verdadeiros profissionais que são, separam pacientemente a política, cortam as partes más, e juntam tudo de novo de forma a conseguirem um plano de estudos com o qual possam trabalhar. Os políticos, na generalidade, não sabem nada sobre educação ou sobre edifícios e cidades. São as profissões e os trabalhadores que fazem, de facto, o mundo funcionar.

 

Mencionou a AA. Numa sociedade com tanta troca de informação acredita que existe uma “escola AA” no contexto da arquitectura praticada em Londres (no mesmo sentido em que se fala de uma “escola do Porto” com Siza)? Existe algum denominador comum na maior parte dos alunos que sai da escola?

A AA é um caso muito especial. É uma “doença que parece nunca ter cura. Estudei e fui docente lá e estou feliz pelo facto de a escola existir. É um milagre que exista no actual Reino Unido. Alvin Boyarsky disse: “Se não existisse a AA, toda a Inglaterra seria igual a Bournemouth!” E estava certo. Mas também errado. Uma das coisas que aprendi é que existem muitas coisas com as quais operamos como arquitectos, e com as quais discordamos, mas que temos que tolerar e reconhecer como diferentes daquilo somos. Quase sempre as escolas de arquitectura desenvolvem uma maneira própria de fazer arquitectura. Não penso que isso seja mau se a forma de fazer arquitectura for inteligente e boa. Os estudantes acabam por se libertar dessa influência à medida que crescem. 

Quero fazer uma observação sobre professores: embora os arquitectos que praticam a arquitectura sejam muito necessários, os educadores profissionais – pessoas que são formadas em arquitectura e que vão para o ensino e mantêm um pequeno escritório – 
têm um papel muito importante. São muito valiosos e muitas vezes melhores professores que os profissionais ocupados. Tenho um professor assim na cátedra da minha disciplina em Delft – Peter Luthi – que é um dos melhores professores que conheço. Dirige um curso chamado Ferramentas para Projecto. Devido ao vasto leque de estudantes de Delft os alunos não têm, muitas vezes, a formação básica de projecto. O curso do Peter é meticuloso e tem muitos alunos com talento a participarem assim como alunos que ainda procuram o seu caminho. Tem-me convidado para leccionar neste curso e estou particularmente orgulhoso pelo facto de, muitas vezes, podermos revelar a um aluno – possivelmente o primeiro na sua família a ingressar no ensino superior, frequentemente proveniente de uma classe operária ou imigrante – como confiar nas suas aptidões e usá-las de forma justa.

 

Costuma aprender com os seus alunos?

Directamente, não. Mas aprendo com o ensinar. Aprendi a pensar muito rapidamente e a ter em conta variados pontos de vista, o que é útil quando se está num escritório. Torna-me receptivo a diferentes ideias. Os estudantes de arquitectura são jovens e estão num processo de aprendizagem. O meu dever é formá-los. De vez em quando vejo um projecto de que gosto muito, e, mais raramente, algo brilhante. A propósito, a última ideia brilhante que tive a oportunidade de testemunhar foi apresentada por um estudante português em Delft. Geralmente gostamos de alguma coisa porque é feita pelos nossos alunos. Para ensinar, temos também que ter simpatia pelos estudantes.

 

Para o sucesso da sua actividade prática não é tão fundamental ser-se professor...

Não, discordo. Trabalhar na Holanda como professor influenciou indirectamente as nossas escolhas porque é mais fácil trabalhar num país do qual se faz parte, onde se está com frequência e cuja língua se domina minimamente.

 

Concorda com Emilio Tuñón quando este refere o ensino como sendo “uma de três pernas de uma mesa” que é a arquitectura, sendo as outras duas pernas a construção e a escrita?

Árvore [tree] ou três [three]? Se for três é instável, se for árvore é pesado. Bem, são três (ou talvez árvore) componentes muito importantes na arquitectura. O projectista é apenas uma pequena parte do percurso que o projecto toma, e mais importante ainda, apenas uma pequena parte da forma como a arquitectura é entendida. É um assunto altamente abrangente que  muitos de nós, em momentos mais egoístas, simplesmente não reconhece. Tento sempre reconhecer na arquitectura a qualidade colectiva. Isso significa que no nosso escritório esperamos fomentar um ambiente onde outras vozes se possam ouvir para além da minha. E é verdade que no desenvolvimento dos projectos há o que se pode chamar de mudança no padrão da autoria; a ideia poderá ter variadíssimas origens. Não se trata apenas de projectar. É também sobre estas outras coisas.|


____________

1

 Companhia de teatro britânica fundada em 1980 por Julian Maynard Smith e Miranda Payne. [N.E.]

2 Margaret Hilda Thatcher foi primeira-ministra da Grã-Bretanha entre 1979 e 1990. [N.E.]


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